Com o avanço das tecnologias, aumentam os desafios para promover o bem-estar social. Por isso, o grupo de trabalho de Digitalização e Tecnologia do C20, representante de engajamento da sociedade civil, vinculado ao Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20 (“Digital Economy Working Group” ou “DEWG”), reuniu, em um documento, recomendações sobre: (1) integridade da informação ; (2) conectividade significativa à internet; (3) governo digital (e infraestruturas públicas digitais – DPIs); e (4) inteligência artificial (IA).
O material foi redigido após reuniões com mais de cem especialistas do mundo todo, liderados pelo Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), Lapin e Amrita University (Índia) sob a coordenação da Abong. Depois disso, o documento foi enviado e apresentado aos principais países integrantes do G20.
“O C20 tem um papel relevante de trazer uma visão da sociedade civil que contribui tecnicamente para as discussões de digitalização e tecnologia do G20, com insumos baseados em direitos humanos, inclusão e participação social. Esperamos que essas recomendações sejam internalizadas nas recomendações do G20 para que a sociedade usufrua dos benefícios da tecnologia e consigamos controlar abusos à população”, explica Camila Leite Contri, coordenadora do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec e co-facilitadora do grupo de trabalho de Economia Digital do G20.
>>> Veja o documento completo com as recomendações: original, em inglês, e tradução não-oficial em português
No tópico sobre integridade da informação, fala-se sobre regulação de mercados digitais, combate à desinformação (principalmente sobre mudanças climáticas e contra grupos vulneráveis), responsabilidade e transparência por parte de plataformas digitais, além de promoção de padrões globais de integridade da informação, ao mesmo tempo em que se reconhece a necessidade de adaptação a contextos específicos.
Trata-se ainda de eleições, onde deve-se buscar a aprovação de medidas legais específicas e responsáveis, com supervisão de múltiplas partes interessadas, para abordar: riscos elevados às democracias durante as eleições e suas especificidades locais, moderação de conteúdo relacionado à desinformação, uso de deepfakes e conteúdo gerado por IA em eleições e regras de transparência para anúncios políticos, entre outros. Isso poderia evitar casos como os vistos nas eleições dos Estados Unidos, em 2016, e no Brasil, em 2018, onde fake news, disseminadas por meio de plataformas digitais, influenciaram o debate público.
No ponto sobre conectividade significativa à internet, alguns dos temas abordados são a inclusão de pessoas que hoje não têm acesso a ela; a importância de garantir conectividade e acesso universal a dispositivos em prol da educação pública; estabelecimento de programas internacionais para abordar lacunas de infraestrutura e garantir acesso à conectividade para todos.
Atualmente, muitos países ainda têm a maioria da população com baixa conectividade significativa, ou seja, apesar de terem algum tipo de conexão, não possuem equipamentos adequados, os preços são exorbitantes e a velocidade é insatisfatória, assim, não conseguem aproveitar os potenciais benefícios sociais, educacionais e econômicos de uma conectividade de alta qualidade.
Já no tópico sobre governo digital, recomenda-se garantir mecanismos de reclamação, acesso à assistência jurídica, participação social e confiança institucional, capacitando as pessoas a buscar reparação quando seus direitos humanos não forem respeitados, como nos casos de vazamentos, golpes e fraudes, ou os recursos públicos forem mal utilizados em infraestruturas públicas digitais (DPIs), entre outras recomendações.
Por fim, no ponto sobre inteligência artificial, recomenda-se incentivar a inovação baseada em regulações e padrões de interoperabilidade que respeitem os direitos humanos. Isso inclui promover a justiça, a responsabilidade social e a prestação de contas, por meio de uma governança multissetorial, democrática, aberta e transparente. As ações propostas incluem avaliações de risco e impacto em direitos humanos, supervisão independente, participação social e proibição de usos de IA com danos potenciais aos direitos humanos, como o uso de armas autônomas, identificação biométrica em espaços públicos e policiamento preditivo.
Com políticas desse tipo, não seria possível, por exemplo, que empresas de tecnologias utilizassem fotos de seus usuários para treinar sua inteligência artificial generativa sem avisar aos consumidores, como eles estavam fazendo até recentemente.
“Entidades de todo o mundo que compõem o C20 trouxeram no documento perspectivas variadas e complementares para assegurar que as tecnologias digitais sejam promotoras de um futuro justo e sustentável. Reforçamos que não há como falar em inovação responsável sem transparência, sem responsabilização e sem levar em conta as vulnerabilidades e particularidades específicas de grupos e nações. Acreditamos e esperamos que os países do G20 tenham atingido um grau de maturidade para levar tudo isso em consideração”, finaliza Cynthia Picolo, diretora-presidente do Lapin e também co-facilitadora do C20.